‘Quem mais caminha na cidade é por falta de opção’, diz diretora do Instituto Caminhabilidade
Leticia Sabino foi uma das participantes de no Summit Mobilidade, onde foram debatidas as lacunas que dificultam a adoção da mobilidade ativa nos centros urbanos.

Andar e pedalar são opções que economizam tempo e dinheiro, além de promoverem benefícios para a saúde e o meio ambiente. No entanto, o que está sendo feito para incentivar mais pessoas a adotarem a mobilidade ativa? Esse foi o tema discutido em um durante o Summit Mobilidade 2024, evento realizado neste ano no formato presencial na Casa das Caldeiras, na zona oeste da capital paulista.
Apesar de 31,8% dos 42 milhões de deslocamentos diários na região metropolitana de São Paulo serem feitos a pé, a cidade não é planejada com foco no pedestre. O desafio de priorizar as pessoas no trânsito está intrinsecamente ligado à segurança viária. Segundo um relatório da Organização Mundial da Saúde divulgado em 2023, com dados de 2021, o Brasil registrou uma média de 16 óbitos em acidentes de trânsito para cada 100 mil habitantes.
“São 33 mil mortes registradas no trânsito anualmente, sendo 5 mil apenas no Estado de São Paulo e 980 na capital. Portanto, antes de discutirmos sobre deslocamento e mobilidade, precisamos abordar a questão da segurança.”
Gláucia Varandas, arquiteta e urbanista do Observatório de Segurança Viária de Guarulhos (SP).
Gláucia ressalta que a redução da velocidade nas vias públicas é crucial para a segurança viária. “A maioria acha que 60 km por hora é seguro. Mas em um atropelamento nesta velocidade, a pessoa vai a óbito”, afirma. Para ela, o caminho da conscientização de motoristas a pelo redesenho da cidade, que deve favorecer essa nova conduta. “Não adianta colocar um radar de 30 km se a via é de cinco faixas. Ninguém vai parar e ainda vão dizer que o Poder Público promove a indústria da multa”, fala a arquiteta e urbanista.

Calçada é só um dos problemas
Segundo dados do Instituto Cordial, 40% das calçadas na cidade de São Paulo têm largura abaixo do padrão estabelecido por lei. Além disso, é frequente encontrar obstáculos como postes e árvores que dificultam a agem de pedestres, além de buracos e interrupções na continuidade do calçamento.
Soma-se a isso outros problemas. Por exemplo, a qualidade do ar foi responsável por 8.409 óbitos na cidade de São Paulo, conforme revelado por um estudo de 2022 que procurou estimar o impacto das políticas públicas na saúde da maior cidade do país. “Quer dizer, enquanto ainda estamos fazendo política que estimula o uso de veículos motorizados individuais, estamos matando as pessoas”, diz Leticia Sabino, diretora-presidente do Instituto Caminhabilidade.
“Hoje, quem caminha na cidade não faz isso porque é prazeroso ou porque quer fazer exercício. Pelo contrário, quem mais caminha nas nossas cidades é por falta de opção, por não ter nenhum outro transporte para fazer os seus deslocamentos. E faz isso de uma forma muito arriscada”.
Leticia Sabino, diretora-presidente do Instituto Caminhabilidade
As mulheres são as que mais fazem deslocamentos a pé na cidade de São Paulo, o que enfatiza a importância de políticas de mobilidade ativa com uma abordagem de gênero. “A sensação de insegurança que as mulheres sentem ao andar na rua a pela falta de visibilidade em algumas vias. O simples fato de você não saber o que pode ter atrás de um ponto de ônibus ou totem de propaganda inviabiliza a caminhada delas”, fala Sabino.
Cidade que não é boa para caminhar não é boa para pedalar
Assim como os pedestres, os ciclistas também enfrentam vários desafios. Mesmo em São Paulo, que possui a maior infraestrutura cicloviária do Brasil, a situação não é diferente. A cidade conta com 731,2 km de vias adaptadas para bicicletas. Desses, 699,1 km são ciclovias ou ciclofaixas, e 32,1 km são ciclorotas, segundo dados da Secretaria de Comunicação do Estado de São Paulo.
A expansão da rede de ciclovias é uma estratégia crucial para incentivar o uso desse meio de transporte. No entanto, a meta estabelecida pelo plano de governo de Ricardo Nunes (MDB), prefeito de São Paulo, de construir 300 km de ciclovias até o final de 2024, teve apenas 10% de execução até o momento.
“Há uma dívida enorme com relação ao Plano de Mobilidade Urbana da cidade. Se seguíssemos o plano, já deveríamos estar discutindo uma infraestrutura para acima de 1.000 quilômetros. E ainda estamos patinando nesses 700 que representam um percentual muito pequeno de São Paulo, porque são 40.000 km de vias públicas. É muito aquém do que a gente precisa.”
Daniel Guth, mestre em Urbanismo e diretor executivo da Aliança Bike (Associação Brasileira do Setor de Bicicletas)
Guth também explica que a política cicloviária abrange outras questões além da ciclovia, e retoma a importância do redesenho viário para garantir mais segurança aos ciclistas. “Você pode ter 700 km de ciclovia, mas tem outros 30.000 km de vias que precisam ser compartilhadas entre automóveis e bicicletas”, diz.
Igualmente importante é expandir os bicicletários integrados ao trem e metrô, na cidade de São Paulo. “A cidade, atualmente, atende 1/3 da demanda de ciclistas. Na estação Jardim Helena-Vila Mara (TM), o ciclista chega às 5:30 da manhã e às 6 horas o bicicletário já está lotado. Quer dizer, você não está convidando ninguém a usar a bicicleta com esta infraestrutura”, afirma Guth.

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